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segunda-feira, 11 de março de 2013

Matchovana, Moçambique: uma lição sobre responsabilidade

 

Na noite de sábado eu ainda tinha dúvidas se deveria seguir para a igreja em Matchovana no domingo pela manhã.

A dúvida era porque a minha filha mais velha, ainda estava lutando com uma ferida no pé e precisava tomar a última dose de uma injeção bastante dolorida e por isso teríamos que procurar alguém para aplicar a injeção no domingo pela manhã. Mas decidimos em família que a minha esposa Fernanda cuidaria disso enquanto eu deveria seguir para Matchovana, onde tinha a responsabilidade de dirigir uma reunião dominical na nova igreja.

Chegando em Matchovana, aos poucos as pessoas foram aparecendo para iniciarmos a reunião que teve muitos cânticos, momentos de oração e testemunho, uma primeira mensagem Bíblica e finalmente a pregação.

Por causa de uma semana difícil que nós vínhamos enfrentando, especialmente na área da saúde eu estava muito cansado física e mentalmente. Mas aquela manhã de domingo em Matchovana era especial. Eu sabia que ali a Palavra de Deus estava sendo anunciada de uma maneira clara e compreensível para as pessoas.

Mesmo sem entender tudo o que se falava no dialeto local, eu podia compreender que a mensagem do Pr Abel, falava de Mateus 4:10b “Adore ao Senhor o seu Deus e só a Ele preste culto”. Pude entender também que ele apresentava Jesus como o exemplo de quem cumpriu fielmente a missão que o Pai lhe havia dado.

Mas eu não sabia que Deus ainda tinha algo muito importante para falar ao meu coração neste dia.

Tudo começou no final da reunião, quando o Pr Abel sugeriu 2 voluntários para ajudarem no próximo domingo. Uma pessoa ficaria responsável por dirigir o programa da reunião enquanto outra pessoa ficaria responsável por fazer uma leitura Bíblica.

Tal como acontece em tantas outras culturas, ninguém se dispôs voluntariamente. Foi assim que as pessoas começaram a apontar alguns nomes. E para a leitura Bíblica, todos sugeriram uma jovem, chamada Albertina.

Porém esta jovem se mostrou contrária à indicação do seu nome. Talvez por causa da sua timidez. Mas uma velha Senhora, a vovó Regina, que não falta em nenhuma reunião argumentou muito contra o posicionamento daquela jovem. Era o final de um culto abençoado e vovó Regina se mostrava muito zangada com a jovem que se recusava a fazer a leitura Bíblica no próximo domingo. Novamente eu não conseguia compreender tudo o que a vovó dizia no dialeto, porém apenas pensava que ela estava brava demais com uma jovem que apenas se recusava a fazer uma leitura.

Depois de muito falar alto e de maneira bastante brava, prevaleceu a autoridade da vovó. Assim a jovem Albertina não teve escolha e ficou com a responsabilidade de fazer a leitura Bíblica no próximo domingo.

Fomos despedidos pela população local com uma música que pedia para que Deus nos guardasse na viagem de volta para Maputo.

No caminho, comentei com o Pr Abel sobre a bronca que a vovó Regina havia dado na jovem Albertina. Eu já planejava dizer para o meu companheiro de viagem que eu não havia gostado da maneira tão dura com que a vovó se dirigiu àquela jovem tímida, na frente das demais pessoas. Mas antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, o Pr Abel me explicou que aquele era um assunto que dizia respeito à RESPONSABILIDADE que as pessoas devem ter umas para com as outras.

Neste caso, era sobre a responsabilidade que tinha uma jovem que podia ler em relação às demais pessoas daquela comunidade que não podiam ler.

O Pr Abel me contou que a vovó, dizia que uma vez que a jovem Albertina teve o privilégio de aprender a ler, ela tinha também a responsabilidade de fazer a leitura Bíblica para as demais pessoas que não podiam ler.

A vovó disse ainda para aquela jovem que se ela tivesse tido o privilégio de aprender a ler, ela nunca poderia se recusar desta responsabilidade para com as demais pessoas.

Lembrei-me que há muitos anos atrás eu comecei a aprender as minhas primeiras lições sobre responsabilidade. Já aprendí muitas coisas importantes sobre este assunto, mas nesta manhã de domingo ví que Deus ainda tinha algo muito precioso para me ensinar acerca da responsabilidade.

Eu pude então compreender o motivo daquelas palavras tão duras que a vovó havia falado para a jovem. Afinal de contas, a Albertina era alguém que naquela comunidade teve o privilégio de aprender a ler e por isso ela tinha uma responsabilidade para com as demais pessoas.

Comecei a pensar em como eu tenho sido privilegiado em tantas áreas da minha vida.

Lembrei dos muitos anos de estudo em excelentes escolas, das muitas conferências e congressos internacionais que eu participei, lembrei da minha graduação em uma excelente universidade, lembrei da minha pós graduação e dos meus anos de estudos intensivos no mestrado, lembrei das muitas oportunidades de viajar e conhecer lugares, pessoas e culturas diferentes, lembrei dos bons livros que eu tenho, lembrei do mundo de informações que eu consigo acessar através da internet, etc.

E por algum tempo eu só conseguia escutar uma voz suave que dizia ao meu coração: Paulo, o que você tem feito com todos estes privilégios que você tem?

Chegando em casa, eu encontrei em 1Cr 15:22 uma pequena parte da história de um homem chamado Quenanias. Ele era chefe dos levitas e havia ficado encarregado dos cânticos. A Bíblia diz que “essa era sua responsabilidade, pois ele era capaz nisso.”

É verdade que eu e você somos capazes em muitas áreas, mas tenho pensado seriamente nas minhas responsabilidades e no que eu tenho feito com tantos privilégios recebidos.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Matchovana, Moçambique: esperança de uma grande colheita

DSC01634Quando o trânsito para sair da cidade de Maputo está bom, o que nem sempre acontece, podemos chegar em Matchovana em cerca de 1 hora e meia de viagem. Mas geralmente levamos 2 horas e meia ou mais no trajeto da nossa casa até lá. Matchovana é o local onde chegamos depois de uma exploração que fizemos na província de Maputo com o objetivo de encontrar uma comunidade onde ainda não havia igrejas evangélicas. No mês de julho/2012 depois de andarmos por muitos lugares e já quase prestes a voltar para a casa sem muito sucesso no nosso trabalho de exploração do campo, encontramos numa estrada de terra 2 pessoas que vinham pelo caminho carregando galões de água numa pequena carroça. Paramos o carro e o Pr Abel desceu para saudar o homem e a velha senhora que se mostravam um pouco desconfiados da nossa presença. Falando no dialeto Xangana que é usado no Sul de Moçambique, o Pr Abel explicou a nossa presença ali e fez também algumas perguntas. Descobrimos então que a igreja mais próxima ficava a uma longa distância de caminhada.

DSC00168Dispostos a nos receber em uma nova visita, agendamos com estas duas pessoas um novo encontro onde poderíamos compartilhar com mais detalhes qual era a nossa missão para aquele local. No dia combinado para a reunião estavam presentes cerca de 15 pessoas, entre adultos e crianças. Talvez por causa da minha presença, um mulungo (branco), eles se mostraram muito interessados em saber o que nós tínhamos para oferecer, principalmente por que ali existem muitas dificuldades, como a falta de água, entre outras necessidades. Em relação à igreja, quiseram saber como seria o edifício que nós poderíamos construir. Mas o Pr Abel esclareceu que nós não estávamos ali para construir prédios, nem tínhamos condições para construir furos d´água. Nosso objetivo era estudarmos a Palavra de Deus com eles. Palavra esta que nós sabemos que tem poder para transformar vidas e também situações de escassez de recursos em lugar de abundância de recursos.

Devido ao interesse demonstrado pelos estudos bíblicos, ficou combinado que nos reuniríamos com eles às quartas-feiras. Mas isto não era o suficiente, pois ainda faltava conseguirmos uma autorização do chefe dos assuntos religiosos daquele local, pois somente assim poderíamos seguir com o plano de plantar uma igreja naquela comunidade. Depois de enfrentarmos algumas dificuldades com esta autorização, enfim recebemos a aprovação que nos daria condições para ir adiante.

Por causa do trabalho na machamba (lavoura), alguns dias as pessoas não chegavam para os estudos bíblicos. Outras vezes, precisamos esperar por cerca de 2 horas para chegar alguém que iria participar dos estudos. Mesmo com estas dificuldades, os estudos iam sendo realizados.

Com o passar do tempo, as pessoas perceberam a necessidade de termos um local mais apropriado para as nossas reuniões e num final de tarde, depois da realização do estudo bíbico, aquela Senhora que encontramos no caminho carregando água, na primeira vez que visitamos a região, decidiu oferecer uma área onde poderíamos limpar o mato e preparar o terreno para a realização dos estudos. Eu desconfiei um pouco de todo o entusiasmo daquela senhora que nos mostrava uma grande área que, segundo ela, poderia ser cedida para o trabalho da igreja que começava a nascer naquela comunidade. Eu tinha dúvida se aquelas terras seriam mesmo dela. E mesmo que as terras fossem dela, eu ainda tinha dúvidas se ela estava  disposta a ceder uma parte do terreno para uso da igreja. Mas outras pessoas confirmaram que aquelas terras pertenciam mesmo a ela.

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Então em um dia determinado, as pessoas se reuniram para abrir uma clareira naquela área que seria então o novo local das nossas reuniões. No dia marcado para o mutirão da limpeza dá área, aproveitamos também para projetar o filme Jesus e assim reunir o maior número possível de pessoas para ouvirem do Evangelho e serem convidadas para participar das reuniões da quarta-feira e agora também do domingo. Como sempre acontece, muitas pessoas chegaram para assistir o filme e responderam ‘sim’ ao convite para se entregar a Jesus, mas apenas alguns poucos voltaram no domingo para o culto. Sabemos que a escassez de árvores neste local e a falta de um teto para nos abrigar do sol e das chuvas do verão trazem muitas dificuldades.

Então, depois de alguns meses com o trabalho avançando lentamente, decidimos ter um dia para visitar as famílias da região e encorajá-las a participar das reuniões. Concordamos em fazer isso na tarde quente de uma quarta-feira e assim saímos de casa em direção a Matchovana. Chegando lá, a poeira levantadaDSC04081 pela passagem do nosso carro na estrada de terra e o barulho do motor anunciava para as crianças a nossa chegada. Elas sabiam que era tempo de correr para o local da reunião. Pelos atalhos no meio do mato elas conseguiam chegar na nossa frente. E aqueles rostinhos lindos, com sorrisos tímidos fazem sempre a melhor recepção de boas vindas que nós podemos ter.

Especialmente nesta quarta-feira em que iríamos andar para muitas visitas, o calor era intenso e o sol do verão africano era escaldante. Porém, uma vez mais eu tinha a certeza de que Deus me daria a oportunidade de ter uma nova e surpreendente ‘visão do campo’.

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Mana Laura e mana Luana, com alguns dias de férias na escola, aproveitaram para estar conosco nesta tarde e juntamente com minha esposa Fernanda ficaram responsáveis por um tempo especial com as crianças, enquanto eu e o Pr Abel, meu inseperável companheiro de viagem, seguiríamos pelas trilhas para as visitas.

A primeira trilha nos levaria  à casa da vovó Luiza. De lá seguiríamos para outros lugares. Na casa de vovó Luiza, levamos um par de muletas, doadas pelos nossos irmãos missionários Melvin e Sharon, com o objetivo de tentar ajudar o marido da vovó que não consegue andar por causa de um problema nas pernas. Mas foi impossível aquele senhor conseguir usar as muletas, uma vez que ele não tinha nenhuma força nas pernas. Depois de algumas tentativas fracassadas ele ainda insistiu em ficar com as muletas para aos poucos tentar utilizá-las. Oramos com ele e a sua família e a vovó Luiza seguiu como nossa guia pelas trilhas para chegarmos em outras casas.

O sol das 15 horas nos castigava. Mas ao ver a alegria e a disposição daquela senhora  em seguir conosco para as visitas muito me animava. Em cada família que passávamos, vovó Luiza parava para as tradicionais saudações moçambicanas e aproveitava também para convidar as pessoas para participar das reuniões. Ela falava sempre com a autoridade local de uma anciã.

Passamos ainda pelo sítio de uma mamã (senhora) que decidiu seguir conosco pelo caminho. Ela falava e ria muito por causa do efeito do álcool que havia consumido. Eu não conseguia entender nada do que ela me dizia em dialeto e como o Pr Abel não traduziu eu percebí que talvez fossem coisas que não merecessem ser traduzidas.

DSC02425Em um outro local, encontramos uma senhora que esteve conosco na reunião apenas uma vez. Ela disse que estava bem, juntamente com o seu marido e que o motivo de não comparecer às reuniões era apenas por causa da preguiça. O Pr Abel pediu que eu desse uma palavra para ela. Decidí então convidar outros dois homens que estavam sentados à sombra de uma peuqena cabana para também se aproximarem. Percebí que eles estavam embriagados e apenas um deles se interessou em chegar para ouvir o que eu tinha para dizer. Naquele momento, Deus me trouxe à memória o texto de Atos 14:15: “estamos trazendo boas novas para vocês, dizendo-lhes que se afastem dessas coisas vãs e se voltem para o Deus vivo, que fez o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há”. Eram poucas palavras que deveriam ser traduzidas para o dialeto deles mas expressavam uma mensagem de arrependimento e de salvação. Aquela mulher embriagada que nos seguiu por uma parte do caminho disse que já esteve nos caminhos de Deus, mas agora estava entregue ao mal. Aquele homem que estava sentado na sombra de uma cabana e que havia se aproximado disse que tinha sido batizado quando ainda era jovem. Ele reconhecia o poder de Deus, mas disse que estava andando longe dos caminhos do Senhor. Disse ainda ter consciência de que aquilo que estava fazendo era errado. Minha oração é para que o Espírito Santo possa convencer estas pessoas de que é chegado o tempo delas se arrependerem e se voltarem para Deus. Também oro para que a Igreja ‘Palavra Viva’ que está sendo plantada em Matchovana possa ser um lugar onde vidas sejam transformadas pelo poder do nome de Jesus.

DSC04784No longo caminho de volta pela trilha, passamos por uma plantação de milho. Eu convidei a vovó Luiza e o Pr Abel para parerem por um minuto e observarem comigo aquele campo que ia ficando para traz. Percebí que muitas vezes eu só podia ver as dificuldades do trabalho naquela região, mas nesta tarde quente, a ‘visão do campo’ que Deus queria me mostrar era da oportunidade de uma grande colheita que começava a ser preparada ali.